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26/03/2021
Escrito por: Cláudio Zirpoli
Apesar de já estarmos há pouco mais de um ano que marcou o início da pandemia no Brasil, suas implicações nas relações do direito civil, por sua vez, estão cada vez mais presentes, principalmente porque o Brasil agora foi eleito pela OMS como sendo o novo epicentro da grave crise pandêmica (com 294.042 mortes, e quase doze milhões de casos confirmados), razão pela qual os reflexos ainda serão mais nefastos.
Os eventos relacionados à pandemia do COVID-19 vêm ocasionando e certamente ainda ocasionarão severos impactos diretos e indiretos nas atividades empresariais. A necessidade de novo isolamento social, em sua forma mais rígida (agora chamada de fase roxa), acarretará suspensão de atividades, com atrasos tanto no recebimento de insumos como na saída da produção e consequentemente na liquidez das empresas pela ausência do ingresso de receitas, ao tempo em que as despesas não sofrerão redução na mesma proporção e ritmo.
Some-se aos reflexos diretos acima, os reflexos indiretos acarretados por força da alteração do cenário econômico, destacando-se novas quedas no mercado de capitais e a disparada do dólar, que já vinha demonstrando tendência de alta crescente. Trata-se de quadro que trará enorme influência no mercado de crédito e nos custos financeiros dos negócios.
Muitas empresas já estão diante da impossibilidade de cumprir suas obrigações, bem como serão afetadas pela mesma impossibilidade levantada por contrapartes. O impacto financeiro imediato será inevitável, ainda que posteriormente o inadimplemento possa ser justificado pela pandemia, entendida esta como situação de força maior ou como evento causador de onerosidade excessiva, que fatalmente levam à possibilidade de revisão amigável ou judicial dos contratos.
As empresas dos ramos de bens e serviços terão não apenas de adotar rotinas emergenciais de gestão dos seus recursos, como deverão estar preparadas para a renegociação de obrigações junto aos seus clientes e fornecedores, entre estes os fornecedores de crédito. Seja de forma amigável, seja em última hipótese, utilizando de meios legais como ações para revisão judicial (quanto às multas e penalidades, em razão da situação que está instalada) ou encerramento de contratos, e a Recuperação Extrajudicial ou a Recuperação Judicial, tendo por objetivo a repactuação de suas dívidas, será necessário cercar-se de assessoria qualificada para evitar que potenciais eventos de insolvência levem à liquidação da atividade.
Não há uma fórmula para solucionar todas as questões que podem surgir de tal cenário, mas o direito nos fornece ferramentas que podem auxiliar na resolução de tais problemas e a revisão contratual é uma delas.
Com base no princípio da conservação do negócio jurídico, que encontra seu fundamento na função social do contrato (artigo 421 do Código Civil), a revisão do contrato mostra-se como uma alternativa eficaz em momentos como o que enfrentamos agora, de modo a restabelecer o equilíbrio das obrigações e vantagens entre os contratantes.
De fato, a lei civil privilegia a manutenção do contrato, tanto que em contratos de prestação continuada ou diferida, sendo a onerosidade excessiva (que pode perfeitamente ser consequência do fato fortuito ou da força maior) um dos motivos que autorizam a sua resolução, havendo a possibilidade de modificação equitativa de suas condições poderá o negócio ser mantido (artigo 480).
Embora a situação de pandemia possa afastar do devedor a responsabilidade pelos prejuízos decorrentes do inadimplemento da obrigação, por caracterizar uma das excludentes de responsabilidade como o fato fortuito ou a força maior prevista no artigo 393 do Código Civil, tal medida drástica pode ser evitada se uma nova negociação que considere a alteração da situação das partes em decorrência do patente desequilíbrio econômico financeiro do Contrato.
Assim, em regra, as partes não respondem pelos prejuízos decorrentes de uma situação de caso fortuito (pagamento de multas e penalidades acessórias, em razão da situação que está instalada), caso seja comprovada a relação de causa-efeito (nexo causal) entre o não cumprimento do contrato e a pandemia COVID-19.
Percebeu o “em regra”, do parágrafo acima? Pois é, existem exceções que não irão eximir o devedor. É o caso de ele já estar em mora antes das consequências do caso fortuito ou de força maior, embora a atual situação possa vir a atrasar ainda mais o cumprimento de sua obrigação.
Nas relações jurídicas, por sua vez, é possível o entendimento de que, após a normalização da situação, um prestador de serviços, por exemplo, diante da impossibilidade de cumprir sua obrigação na época da pandemia, deverá cumpri-la, mas não terá o dever de indenizar (aí entendidos as penalidades/multas), haja vista a não existência do nexo causal entre a sua conduta e o dano suportado (fortuito externo).
Desta forma, pode-se afirmar que a situação diverge daquela observada quando da celebração do negócio (também conhecida como alteração da base do contrato), e a imprevisibilidade do fato externo que acarretou tal situação (fato fortuito e força maior).
Não restam dúvidas acerca da situação emergencial que o mundo enfrenta, com mais ênfase agora no Brasil, que foi eleito como o novo epicentro da crise pandêmica; de qualquer forma, não há motivo para temer o enfrentamento da maneira mais humana possível, priorizando as pessoas aos negócios, já que para estes últimos o Direito fornece instrumentos suficientes para evitar os prejuízos, seja pelo afastamento de responsabilidade pelas perdas e danos em caso de impossibilidade de cumprimento (artigo 393), seja pela possibilidade de revisão de modo a buscar o reequilíbrio contratual e a aplicabilidade do princípio da razoabilidade entre as partes.
Portanto, sejam quais forem as consequências, as quais só podem ser avaliadas casuisticamente em cada caso concreto, tudo deve pautar-se pela boa-fé e transparência. O diálogo é sempre uma ferramenta valiosa a contribuir com a resolução dos conflitos e qualquer decisão (seja pedido de revisão) deve ser imediatamente comunicada ao outro contratante, em especial pelo meio de comunicação escolhida no contrato (carta; e-mail; whatsapp) e na ausência de eleição de forma de comunicação no próprio contrato, a notificação supre tal necessidade e faz prova para evitar eventuais litígios futuros.
Cláudio Zirpoli
Advogado especializado em Direito Civil.